Deepfakes e Provas Digitais: os desafios jurídicos na era digital
- Rogerio Meceni
- 22 de ago.
- 4 min de leitura
Atualizado: 22 de ago.

Imagine assistir a um vídeo onde uma pessoa conhecida aparece dizendo algo polêmico — mas, na verdade, ela nunca disse aquilo. Parece cena de filme futurista? Pois é exatamente o que os deepfakes tornaram possível. E o impacto dessa tecnologia vai muito além das redes sociais: ela já começa a desafiar o mundo jurídico, especialmente no uso de provas digitais.
O que são deepfakes?
Deepfakes são conteúdos — geralmente vídeos ou áudios — manipulados por inteligência artificial, de forma tão realista que podem enganar até os olhos mais atentos. Essa tecnologia usa algoritmos avançados para sobrepor rostos, alterar vozes ou criar falas que nunca existiram.
Se antes isso exigia conhecimento técnico avançado, hoje já existem aplicativos e sites capazes de criar vídeos falsos com poucos cliques. O potencial para golpes, fraudes e desinformação é enorme.
Recentemente li um artigo em que o surgimento de candidatos virtuais gerados por Inteligência Artificial são a nova dor de cabeça para os processos seletivos de RH. Nunca poderíamos imaginar que isso poderia acontecer, não é verdade? Com a proliferação dos deepfakes, novos desafios estão sendo impostos.
O problema jurídico: como confiar nas provas digitais?
No mundo jurídico, o uso de áudios, vídeos, prints e mensagens como provas é cada vez mais comum. Mas com o avanço dos deepfakes, surge uma pergunta preocupante: como garantir que esse conteúdo é verdadeiro?
A autenticidade das provas digitais já era um desafio — e agora, com a manipulação por IA, se torna ainda mais complexo. Um vídeo pode parecer legítimo, mas ter sido completamente forjado. Isso coloca em xeque a confiança no material apresentado em processos judiciais.
Quem é responsável por provar a veracidade?
No Brasil, quem apresenta uma prova é responsável por demonstrar sua autenticidade. Em muitos casos, é necessário recorrer à perícia técnica — que analisa metadados, cortes, ruídos e outros sinais de edição.
Com os deepfakes, esse trabalho técnico se torna ainda mais importante. Advogados, juízes e peritos precisam estar preparados para lidar com esse tipo de material, mesmo que a legislação ainda não trate diretamente desse fenômeno.
Quais os riscos práticos?
Fraudes processuais: vídeos falsos apresentados para incriminar ou inocentar alguém.
Danos morais e reputacionais: empresas ou pessoas vítimas de conteúdo manipulado.
Provas ilegítimas: decisões judiciais baseadas em material enganoso.
Tudo isso reforça a importância da cautela e da análise técnica ao lidar com provas digitais — especialmente em um cenário onde “ver para crer” já não é mais seguro e suficiente.
O Deepfake e o Direito Brasileiro
Ainda não existe uma legislação específica sobre deepfakes no Brasil, mas o debate já começou. Enquanto isso, o caminho está em:
Capacitar profissionais do Direito sobre tecnologias emergentes.
Fortalecer a perícia digital como etapa essencial em muitos processos.
Usar ferramentas forenses capazes de detectar manipulações digitais. A Perícia Forense terá um protagonismo cada vez maior na análise da autenticidade e veracidade das provas digitais levadas à juízo.
Além disso, o bom senso e a análise crítica continuam sendo aliados indispensáveis. Nem toda imagem vale mais que mil palavras — principalmente se for manipulada.
Ferramentas forenses de análise de autenticidade e confiabilidade
Já existem ferramentas tecnológicas no mercado que prometem analisar e identificar conteúdos gerados por inteligência artificial, como vídeos, por exemplo. Vamos citar apenas algumas delas, mas podem existir outras com diferentes características e finalidades.
InVID
Plataforma de verificação de conhecimento para detectar histórias emergentes e avaliar a confiabilidade de arquivos de vídeo e conteúdo jornalístico divulgados por meio de mídias sociais.
Deepware Scanner
Ferramenta desenvolvida para detectar se um conteúdo foi gerado por IA, como deepfakes em vídeos.
Serelay
O Serelay permite que os usuários carreguem fotos suspeitas para verificar se foram adulteradas. O sistema realiza uma série de verificações para determinar onde foram feitas modificações, se houver.
Quais são as principais técnicas usadas em perícias forenses?
1. Análise de metadados
Arquivos de imagem e vídeo contêm informações sobre data, dispositivo, software usado etc.
Alterações suspeitas ou ausência de metadados podem indicar manipulação.
2. Análise de compressão e inconsistência de pixels
Manipulações digitais deixam rastros em padrões de compressão (JPEG, MP4).
Deepfakes geralmente contêm artefatos em áreas específicas, como olhos e boca.
3. Detecção de anomalias fisiológicas
Erros em piscadas, movimentos labiais, reflexos de luz, sombras e proporções faciais.
Deepfakes costumam falhar nesses pequenos detalhes.
4. Análise frame a frame
Exame quadro a quadro do vídeo para identificar “saltos”, cortes não naturais, mudanças abruptas na iluminação ou foco.
5. Análise espectral e de frequência
Verifica frequências não naturais na imagem ou áudio.
Conteúdos sintéticos podem ter padrões distintos dos capturados por sensores reais.
6. Modelos de IA treinados para detectar deepfakes
Alguns laboratórios usam redes neurais treinadas em grandes bases de dados para diferenciar conteúdo real de falso com alta precisão.
Essas ferramentas e técnicas não são 100% infalíveis, especialmente porque os deepfakes também estão evoluindo rapidamente. Mas elas já permitem detectar muitas manipulações e são fundamentais em processos que envolvem provas digitais.
Conclusão
Novos casos de deepfakes surgem a cada dia — e junto com eles, um novo desafio para o sistema de Justiça. O uso responsável da tecnologia e a valorização da verdade continuam sendo pilares fundamentais do Direito. Cabe agora a todos nós — advogados, profissionais de tecnologia e operadores da Justiça — entender essas transformações e buscar soluções que garantam segurança jurídica em tempos digitais.
Temos muito pouco tempo para se antecipar aos deepfakes antes que eles se tornem um fator crítico na nossa confiança da realidade.
Autores:

Rogério Meceni
Mais de 20 anos na área de Tecnologia
Editor do Metajus

Dr. Bernardo Lugão
Advogado e editor do Metajus




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